Como surgiram?
Os portugueses chegaram oficialmente à Birmânia por altura da tomada de Malaca, em 1511, abastecida de mantimentos originários daquela região. Se tivermos em conta que era acima de tudo comercial, o interesse e a razão de ser das viagens portuguesas, fica explicado o seu estabelecimento nas zonas costeiras.
Contrariamente aos reinos do interior – como o de Ava – minados por conflitos, virados sobre si próprios e com economias baseadas na agricultura, os reinos costeiros do Pegu e do Arracão atravessavam um período de grande prosperidade e a sua sobrevivência dependia do comércio, dinamizado pelo contacto com os estados muçulmanos, de civilização mercantil.
O Pegu, por exemplo, tinha consolidado a sua soberania sobre pequenos lugares e importantes portos de mar, como Martavão e Cosmim, administrando-os com toda a cautela e eficiência. Seria nesses portos que os portugueses iriam negociar, em busca do arroz e da madeira para fazer embarcações (ou das embarcações já construídas), mas também de produtos hortícolas vários, prata, rubis e o afamado lacre.
Afonso de Albuquerque asseguraria a paz, a amizade e o comércio com os mons do Pegu enviando um seu mensageiro, de nome Rui Nunes, procurando com isso o apoio dos gentios contra o inimigo comum: os muçulmanos. Pegu, reino budista, apresentava-se com um aliado precioso.
Era já notória a presença desses lançados, ou homiziados, como também eram conhecidos, que ali comerciavam por conta própria, oferecendo resistência à tentativa monopolizadora do Estado da Índia. Mercadores ou soldados, ambos teriam um papel fundamental na formação política da Birmânia.
Nos primórdios do século XVII, o Sirião, importante centro marítimo da Baixa Birmânia (perto de Yangon) foi sede de um estabelecimento português administrado por um desses homiziados. Chamava-se Filipe de Brito de Nicote, e participara na conquista do Pegu ao serviço do rei de Arracão, que lhe concedera o Sirião como recompensa.
No entanto, Brito de Nicote, insatisfeito, da feitoria fez fortaleza, e, numa súbita mudança de campo, como frequentemente acontecia, e agora em revolta aberta contra o Arracão, não só se assenhorou da zona do delta, como tentou apoderar-se dos portos de mar de Cosmin, a oeste, e Martavão, a leste, onde pretendia erguer fortalezas. Brito sonhava com a criação de um equivalente ao Estado da Índia no Sudeste asiático.
O capitão português soubera entretanto conquistar a simpatia dos mons, oferecendo-lhes as terras ermas, isentas de impostos. Assim, em redor da fortaleza foi crescendo uma povoação. Em Outubro de 1602, haveria no Sirião, sob protecção portuguesa, entre catorze a quinze mil pessoas, e, dois anos mais tarde, os principais poderes da região acabariam por legitimar o Sirião como um reino de facto.
Os portugueses, parcialmente apoiados por Goa, disputavam agora terreno com os reinos de Ava e Arracão que, face a essa ameaça, decidiram unir forças acabando por conquistar Sirião. No processo foi empalado Filipe de Brito e os seus homens, entretanto casados com mulheres locais e já com prole, foram feitos prisioneiros.
Faria de Sousa conta-nos que não era intenção inicial do monarca avanês poupar a vida aos habitantes de Sirião, mas que, “depois de acalmado, decidiu enviá-los para norte, para Ava, como escravos”. Um trajecto de mais de setecentos quilómetros, percorrido a pé pelos seguidores de Filipe de Brito, que, nas palavras do cronista, «eram constituídos por portugueses, euro-asiáticos, negros e malabares». Totalizavam alguns milhares, entre os quais apenas quatrocentos seriam inteiramente portugueses.
Para prevenir uma proliferação excessiva dessa comunidade, o rei de Ava seleccionou os mais dotados nas artes bélicas e integrou-os na sua guarda pessoal, exilando os restantes para o vale do rio Mu, onde fundaram oito aldeias de raiz, sendo autorizados a praticar livremente o seu culto.
Os tempos mudaram e os soldados de outrora são hoje camponeses que cultivam os campos de sorgo, amendoím e favas, invariavelmente intervalados por fileiras de árvores de grande porte, bolsas de coqueiros e pequenos ribeiros.
E foi aí que encontrei, séculos depois, esses luso-descendentes, conhecidos localmente como os bayingyis, tendo desde então recolhido e registado inúmera matéria que resultaria em variados artigos em revistas e jornais, exposições fotográficas, dois livros e um documentário.
Por: Joaquim Magalhães de Castro
Qualquer outra informação adicional acerca dos bayingyis pode ser obtida junto desse investigador através do e-mail: joaquimcastro@aild.pt ou telefone: 918 926 124.
A divulgação daquilo que se passa é fundamental.
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